#IndiqueOTrampoDeUmaPreta apresenta “Enegrecer” de Rachel Gouveia Passos

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Sempre que corto o cabelo sinto o mundo de forma diferente, pois ele se torna 
ainda mais difícil. O peso dos meus cachos simbolizam um embranquecimento 
que disfarça o peso do “racismo nosso” de cada dia. 
Ao cortar o cabelo para deixá-lo ainda mais crespo e assumir o meu lugar de 
mulher negra em uma sociedade machista, misógina e racista tornou-se uma 
escolha completamente difícil. Enegrecer me coloca em um lugar marginal e 
extremamente dolorido.  
O racismo é sutil na maioria das vezes, mas  momentos que ele despedaça 
a alma… 
Vejamos: 
Minha mãe que é branca de olhos azuis torna-se minha patroa e eu sua 
“acompanhante”;  
Meu marido que é branco ao irmos ao shopping torna-se “minha garantia” de 
que serei bem atendida, pois ele aparenta ter dinheiro para pagar; 
Sempre que vou ao cinema, ao teatro, ao museu e etc, não localizo outras 
pessoas como eu, ou seja, pessoas negras. Somos poucos a termos acesso a 
esses lugares; 
Ao andar pelas ruas torno-me um sujeito que representa o medo, o perigo e a 
violência, pois minha negritude simboliza a marginalidade. As senhoras 
seguram as bolsas com tanta força que nem percebem que a minha mochila 
possui um valor financeiro maior do que elas transportam; 
Ao pegar um Uber, o motorista sempre acha que é a outra mulher (branca) que 
o chamou e se assusta quando bato no vidro para poder entrar; 
Sempre que vou a farmácia da esquina para comprar algo, o segurança, que 
também é negro, fica me seguindo com os olhos para verificar se não estou 
roubando; 
Nas lojas quase nunca as vendedoras esperam que eu faça compras e quase 
nunca me atendem; 
Ao frequentar festas quase sempre sou a única negra convidada e os demais 
negros são trabalhadores; 
Quando subo a rua de casa, tarde da noite, acredito que posso ser assaltada e 
esqueço que a pessoa que está do outro lado da rua está apavorada e 
correndo de mim. 
Posso ter doutorado, posso dar aula na universidade pública, posso ter acesso 
cultural, social, político e econômico, mas ao enegrecer nada disso importa. 
Posso andar cheirosa e com os melhores perfumes, posso ter estudado na 
Europa, posso falar dois ou três idiomas, posso publicar artigos e livros, posso 
ter ido a França, Inglaterra, Espanha, Holanda, Bélgica, Argentina e demais 
países quantas vezes eu quiser, posso continuar estudando, posso comprar 
roupas caras… Porém…. 
Sempre vão me lembrar e dizer que sou negra e que não posso estar ali. 
Até dizem que esse tal de racismo não existe,  que ao Enegrecer ainda mais, 
posso afirmar que o sinto cada vez mais forte todos os dias… Não sabia que o 
peso dos meus cachos significava tanto para a sociedade e que cortar o cabelo 
me aproximava de um povo que nunca me disseram que era meu. 
Apenas cortei o cabelo… 
 —
 
 Rachel Gouveia Passos 

Professora Adjunta na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Estudo e Extensão em Serviço Social, Saúde Mental e Atenção Psicossocial (NUPESS/ICSA/UFRRJ)

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