Os Negros São Os Piores Racistas?

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    Dia destes novamente me vi em meio a uma conversa em que as pessoas, sabendo que eu sou um incansável militante no combate ao racismo, querem me usar como escudo para reforçar os estereótipos que vivo combatendo. Você concorda comigo? Você não acha? São as perguntas mais constantes neste tipo de situação. Sempre soando como uma pergunta retórica, daquelas que não se espera pela resposta, daquelas que quem pergunta só insinua que você está participando da conversa e isto, obviamente, só enquanto você permanece em silêncio, porque qualquer esboço de opinião contrária é combatido como se fosse uma aberração.
    Há questão de uma semana, aproximadamente, um amigo veio com uma dessas afirmações em uma postagem minha, não me recordo se em meu perfil do Facebook, ou em outra mídia social. Publicou-a como resposta a uma postagem minha justamente abordando a temática. Apenas afirmei não concordar com ele, reservando-me ao direito de apenas afirmar minha discordância, lembrando-o que por eu ser um pesquisador do assunto, minhas opiniões são embasadas.
    A afirmação que persegue qualquer pessoa que atua nessa área é a famosa: – “Mas os negros são os piores racistas! Eles também têm preconceito contra os brancos e contra si mesmos”! E o pior é que sempre vem com um ar de sabedoria milenar, daqueles que silenciam tudo ao redor! Só é permitido quebrar o silêncio para concordar… é tão triste! Sempre que algum destes me dão a oportunidade para o diálogo eu pergunto de onde tiraram essa conclusão. A resposta, costuma ser alguma situação em que o branco se sentiu discriminado por estar em um ambiente predominantemente negro. Normalmente não há contextualização, nunca há uma reflexão sobre os possíveis motivos que os levam a tratar com reservas aquele/a que, via de regra, é visto como um intruso, como alguém que historicamente sempre se aproximou dos negros para explorar, causando sofrimento e trauma.
    Quando afirmam que “os negros são mais racistas que os brancos”, geralmente acrescentam alguma pessoa que não se reconhece ou não se assume como negro. Novamente como se não houvesse nenhum contexto, como se a pessoa tivesse acabado de chegar de marte. As pessoas esquecem, ou melhor, não sabem, nem imaginam o quanto dói cada agressão racista, cada situação de exclusão vivida e que, no acumulado, acabam por induzir-nos a uma fuga fantasiosa, nos iludindo.
    As pessoas não percebem que não temos em quem nos espelhar, não nos vemos representados nas propagandas (onde raramente aparece um negro em posição de destaque), mesmo nas novelas ou em programas de televisão (posso citar o programa ESQUENTA!, que recebia inúmeras reclamações simplesmente por abrir espaço a uma parcela igualitária de negros e brancos). Uma amiga, professora do Ensino fundamental, faz um trabalho belíssimo de autoimagem com suas crianças, solicitando que recortem figuras de revistas variadas, com imagens de artistas ou modelos com quem elas se identificam. A cada ano, esta professora relata que inúmeras crianças recortam imagens de pessoas brancas como sendo uma representação não de quem elas são, mas de quem gostariam de ser.
    A vida do negro é tão sofrida, tão sofrida, que muitos adultos desejam ardentemente que suas crianças venham a este mundo miscigenadas, embranquecidas, para que sofram menos. É perfeitamente compreensível que a família deseje que suas crianças tenham uma vida menos dolorosa, porém, aos brancos que observam este fenômeno parece uma prova inquestionável de crime contra a humanidade.
    Ano passado uma aluna negra me disse que sonhava em ter o cabelo (lindo, liso e loiro) de uma artista internacional, dizendo que ninguém merecia ter aquele cabelo ruim que ela tinha. Eu respondi a ela que a ideia de que cabelo crespo é cabelo ruim é mais uma manifestação de racismo, e que, qualquer pessoa que passa a vida inteira ouvindo isso, é vítima de discriminação, mesmo reproduzindo as falas preconceituosas. E o que é pior: infelizmente não se apaga uma ideia dessas, plantada na cabeça de alguém simplesmente com uma informação. Para desfazer o efeito negativo de uma campanha dessas leva tempo, muito tempo.
    Para as personalidades que acham um absurdo a injúria racial ser crime, eu só tenho a dizer que eu lamento. Se a pessoa quer o direito de xingar e humilhar alguém por sua etnia, pela cor da pele, sem correr o risco de punição, só posso dizer que é constrangedor. Seria mais honesto afirmar que acha um absurdo não poder tratar outro ser humano como animal, que detesta fingir respeito por alguém que acha desprezível. Paciência. Ainda bem que existem as leis e que elas devem (ou deveriam) ser respeitadas e pronto.
    Por fim, outra pérola muito comum é sobre o Dia da Consciência Negra, as pessoas dizem que não deveria ter essa data, deveria ter o Dia da Consciência Humana, ou então que deveria ter também o Dia da Consciência Branca. Sobre a ideia da Consciência Humana, usam a fala de Morgan Freeman como argumento. Tem sido sempre assim, quando um negro afirma algo com o qual os brancos concordam, o negro se torna um ser superior, dono da sabedoria acima do bem e do mal. Quando todos os demais negros afirmam ser necessário um dia para conscientizar as pessoas desses temas abordados acima e muitos outros, ele é ridicularizado.
    Eu concordo com Morgan Freeman: não deveria ter uma data para se conscientizar as pessoas sobre o problema do racismo, simplesmente porque não deveria haver este problema. Quando não houver mais racismo, ou quando as pessoas receberem uma educação libertadora, em que aprender a se amar e a respeitar a si mesmo, suas características e individualidades, sem sentimentos de superioridade ou inferiorização, então haverá a consciência humana, não sendo necessária uma data. Até lá, precisamos nos preparar para a realidade. E a realidade é dura!

    Feridas
    É desagradável falar
    sobre temas do passado
    que eu quero esquecer
    Eu não vou deixar você
    remoer minhas feridas
    Dores de amor
    defeitos de cor
    duras controvérsias
    não tenho pudor em dizer:
    Isso não me interessa!
    Vocês vêm batendo
    na mesma tecla
    já faz cem anos ou mais
    Eu não tenho tempo
    nem asseclas
    Quer bancar o Dom Diego De La Vega, banca,
    mas me deixa em paz.
    Estão dando murro
    em ponta de faca
    já faz cem anos ou mais
    Quer lutar pelos seus direitos
    tente a sorte
    Quer bancar o Dom Quixote, o Robin Hood, banca
    mas me deixa em paz.
    Quer bancar o Nabuco, o Antônio Bento,
    Conselheiro, Lampião, Lamarca, banca,
    mas me deixa em paz!
    #Alertadeironia
    https://soundcloud.com/mona…/feridas-com-patricia-nascimento

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