\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 Sun Ra<\/em><\/p>\n Se existe uma particularidade positiva no\u00a0jazz<\/em>\u00a0\u00e9 o seu poder de altera\u00e7\u00e3o da realidade.\u00a0Jazz<\/em>\u00a0\u00e9 for\u00e7a motriz de uma realidade preta paralela que vive flertando constantemente com a \u201cnossa\u201d problem\u00e1tica realidade ocidental. Os trombones e trompetes usados para marchas militares francesas, nas m\u00e3os de afro-americanos vanguardistas, viraram portais para o infinito, abrindo novos caminhos para a \u201canormalidade\u201d criativa de seres evolu\u00eddos oriundos de \u00c1frica. Anos depois os sintetizadores de Sun-Ra Arkestra abriram as portas da percep\u00e7\u00e3o para o cosmos, trazendo para n\u00f3s terr\u00e1queos uma gama de novas perspectivas capitaneadas pelos alien\u00edgenas africanos de Saturno.<\/p>\n Seria incoerente apresentar o pianista formalmente como Herman Poole Blount, o correto sempre ser\u00e1, \u201cSun-Ra\u201d, \u201cLe Sony\u2019r Ra\u201d ou \u201cSonny Lee\u201d, nomes e personalidades que usou ap\u00f3s negar a identidade de escravizado, Herman, que segundo ele, nunca existiu.<\/p>\n Ainda Terr\u00e1queo?<\/span><\/strong><\/p>\n Muitos anos antes dos astros do rock come\u00e7arem a se preocupar com a tem\u00e1tica espacial e a est\u00e9tica visual em seus shows, Sun Ra, j\u00e1 se apresentava com sua orquestra um complexo esquema est\u00e9tico visual e espacial que ia desde as suas vestimentas eg\u00edpcias, at\u00e9 uma grande quantidade de luz estrobosc\u00f3pia no palco.<\/p>\n Sun Ra, levou o\u00a0<\/em>J<\/em>azz<\/em>\u00a0a outra esfera de refer\u00eancia musical dentro da pr\u00f3pria signific\u00e2ncia hist\u00f3rica, social e autofagista da m\u00fasica negra. Seu novo modelo de m\u00fasica e apresenta\u00e7\u00e3o ao vivo refletiam um modo de vida perdido no oeste do mundo, uma m\u00fasica cheia de \u00c1frica, mas uma \u00c1frica c\u00f3smica, comum na antiguidade, e que agora estava novamente sendo apresentada e resgatada, como deveria ser, influenciadora de novos paradigmas sociais e culturais.<\/p>\n Sun Ra liderou grupos de m\u00fasica ainda no col\u00e9gio e tamb\u00e9m no Alabama A&M University, onde estudou educa\u00e7\u00e3o musical, tendo aulas de piano com Willa Randolph. Sendo influenciado pelas vozes dolorosas e triunfantes de Bessie Smith e Ethel Waterns, Sun Ra dedicou-se a harmonizar suas can\u00e7\u00f5es com os elementos extremos \u00e0 m\u00fasica, buscando sempre novas sensa\u00e7\u00f5es e sentimentos para transbordar em sua t\u00e9cnica.<\/p>\n Mudou-se para Chicago em 1946 e saiu em turn\u00ea com Wynonie Harris e Lil Green. Tocou informalmente com Coleman Hawkins, e trabalhou durante algum tempo com a banda\u00a0Dukes of Swing<\/em>, liderada pelo futuro baixista de Dave Brubeck, o ex\u00edmio Gene Wright.<\/p>\n Foi na d\u00e9cada de cinquenta que um prot\u00f3tipo do Sun Ra como conhecemos, come\u00e7aria a tomar corpo. Nessa \u00e9poca ele trocou pela primeira vez oficialmente seu nome de batismo, sendo ent\u00e3o chamado por \u201cLe Sony\u2019r Ra\u201d, passando a dizer recorrentemente que nunca havia se chamado Herman Poole Blount, e que n\u00e3o se recordava de j\u00e1 ter conhecido essa pessoa.<\/p>\n Nessa \u00e9poca sua m\u00fasica soava muito mais com o R&B do que com o\u00a0jazz<\/em>, e \u00e9 poss\u00edvel ouvir isso na colet\u00e2nea de\u00a0singles<\/em>\u00a0lan\u00e7ada pelo selo\u00a0Evidence<\/em>. Ele chegou a gravar algumas faixas com Little Richard e foi arranjador de um grupo chamado\u00a0Cosmic Rays.<\/em>\u00a0Acredito que esta mistura foi a semente plantada no cora\u00e7\u00e3o vanguardista de Sun Ra, que a partir deste momento teve subs\u00eddios e influ\u00eancia art\u00edstica para extrapolar em arte toda a sua vis\u00e3o metaf\u00edsica e c\u00f3smica do mundo.<\/p>\n <\/p>\n Suas m\u00fasicas ainda eram consideradas anomalias. Seu \u00f3rg\u00e3o era mal compreendido devido algumas experimenta\u00e7\u00f5es musicais, ainda limitadas, perto do que ele criaria anos \u00e0 frente.<\/p>\n Nos anos sessenta, j\u00e1 em Chicago, ele e a sua banda come\u00e7aram a utilizar em seus\u00a0shows<\/em>\u00a0os trajes eg\u00edpcios espaciais compostos por capas brilhantes e capacetes de metal. As roupas eram uma liga\u00e7\u00e3o visual entre passado e presente, e segundo os m\u00fasicos, canalizavam toda a energia dos fara\u00f3s.<\/p>\n Como a evolu\u00e7\u00e3o desse modelo, eles passaram a inserir planetas e constela\u00e7\u00f5es em suas vestimentas e nos enfeites do palco. Al\u00e9m de inserir no mesmo contexto alguns deuses e figuras mitol\u00f3gicas do antigo Egito.<\/p>\n A Jornada Intergal\u00e1ctica<\/span><\/strong><\/p>\n Com o sucesso que vinha crescendo, ele pegou a banda e se mudou para Nova York, e foi nesse momento que o personagem tomou vida verdadeiramente. Ele passou a usar suas roupas de palco na rua o tempo todo, em plena luta pelos direitos civis americanos era poss\u00edvel encontrar um negro enorme andando normalmente no metr\u00f4, supermercado e restaurantes vestindo botas espaciais, capas e capacetes prateados e toda uma indument\u00e1ria que supostamente n\u00e3o era desse mundo, sem esquecer o discurso que era forte, \u00edmpar e completava toda essa personalidade. Entendo que a partir desse momento A\u00a0Sun Ra Arkestra<\/em>\u00a0se tornou a entidade celestial que conhecemos hoje em dia.<\/p>\n Essa cena passou a ser inspiradora para os jovens negros americanos, o m\u00fasico, poeta, cineasta, diretor de teatro e escritor, propunha um discurso totalmente cr\u00edvel e alucinante que tinha como base a consci\u00eancia humana e a paz mundial. O artista afirmava n\u00e3o ser nativo do planeta terra, mas sim de Saturno. Na d\u00e9cada de setenta, ele decide voltar a Oakland a convite de Bobby Seale, vivendo ent\u00e3o em uma casa de propriedade dos Panteras Negras, cujos uniformes, com sua presen\u00e7a, perderam um pouco da rigidez da farda militar, indo al\u00e9m das boinas pretas e jaquetas de couro, passando ent\u00e3o a ter suas glamorosas botas lunares como parte indument\u00e1ria.<\/p>\n Em 1972 a mudan\u00e7a total se concretiza, e \u00e9 imposs\u00edvel n\u00e3o falar da import\u00e2ncia do disco\u00a0\u201cSpace is the Place\u201d<\/em>\u00a0como ponto de igni\u00e7\u00e3o do sucesso comercial de Sun Ra, e tamb\u00e9m do in\u00edcio do seu \u00e1pice criativo como artista multim\u00eddia.<\/p>\n Neste disco ele, que j\u00e1 tocava piano com uma sensibilidade fora do comum, dobrando e\/ou completando os espa\u00e7os musicais dos metais (trombones, trompetes, sax e etc.), passou a proporcionar o encontro entre as se\u00e7\u00f5es musicais dentro da melodia, preenchendo todos os espa\u00e7os aud\u00edveis de forma complexa e suave.<\/p>\n O m\u00fasico sempre acreditou no que ele chamava de cores musicais, e tendo isso como figura principal em suas composi\u00e7\u00f5es, ele n\u00e3o poupou esfor\u00e7os para extrapolar cada vez mais a experi\u00eancia auditiva e sensorial, adquirindo pianos el\u00e9tricos, teclados, clavinetes, sintetizadores e outros instrumentos de timbre semelhantes entre si, fato pouco comum nas composi\u00e7\u00f5es em grupo\/orquestra, especialmente de Jazz<\/i>.<\/p>\n Tal experimentalismo sonoro o levou de volta \u00e0s suas ra\u00edzes no piano, uma esp\u00e9cie de circularidade africana (Sankofa) o colocando em destaque como\u00a0bandleade<\/em>r de uma grande orquestra de\u00a0jazz<\/em>, papel que ele j\u00e1 exercia, mas que passou a executar de forma mais madura, por\u00e9m experimental.<\/p>\n A introdu\u00e7\u00e3o da m\u00fasica \u201cImages<\/em>\u201d, contida neste disco, \u201cSpace is the place<\/em>\u201d, para mim, se assemelha a forma certeira e madura com que Duke Ellington compunha. Ele consegue definir o tempo, o ritmo e o sentimento com seu piano de forma n\u00e3o executada anteriormente, a evolu\u00e7\u00e3o \u00e9 n\u00edtida.<\/p>\n Neste disco acredito tamb\u00e9m que as mudan\u00e7as temperamentais e r\u00edtmicas evocam McCoy Tyner no seu \u00e1pice criativo, por\u00e9m num frenesi mais alto e levemente inc\u00f4modo, moldando assim o estado de esp\u00edrito do ouvinte sem que ele perceba, causando sensa\u00e7\u00f5es diversas em seu corpo e mente. Tudo isso entendo ser prepara\u00e7\u00e3o para a entrada de cada um dos solistas, que chegam em um bloco sonoro \u00fanico de timbre semelhante, mas que de repente v\u00e3o mudando o ritmo cada imposi\u00e7\u00e3o sonora de seus instrumentos, iniciando a virtuose de cada um de seus solos.<\/p>\n \u00c9 puro deleite musical, \u00e9 vanguardismo espacial, bebido nas fontes de Duke Ellington, Thelonious Monk e McCoy Tyner. \u00c9 a defini\u00e7\u00e3o de autofagia entre os jazzmen<\/i> colocada na pr\u00e1tica, no encontro entre a realidade com o metaf\u00edsico ancestral, \u00e9 o que viria a ser chamado, pouco mais de vinte anos depois, de Afrofuturismo!<\/p>\n Para mim \u00e9 mais que isso, \u00e9 a maturidade plena musical e conhecimento de cada timbre dos instrumentos de sua Arkestra.<\/p>\n As Influ\u00eancias Reais<\/span><\/strong><\/p>\n J\u00e1 nos dias de hoje, saibam que a banda do ABC Paulista, Conde Favela Sexteto<\/strong>, interpretou algumas pe\u00e7as de Sun Ra Arkestra em sua homenagem, \u00e9 a prova que nossos universos ancestrais vivem em choque a todo momento, sempre nos completando e inspirando enquanto povo preto e indiv\u00edduos universais.<\/p>\n O Sexteto formado em 2009 pelos m\u00fasicos Alex Dias (contrabaixo ac\u00fastico), Arthur Vital (guitarra), Buruga (sax tenor e flauta), Edson Ik\u00ea (trompete), Mabu Reis (trombone) e Rafael Cab (bateria), atrav\u00e9s de seu\u00a0hardbop<\/em>,\u00a0freejazz<\/em>e\u00a0sambajazz<\/em>, movimentam a cena cultural perif\u00e9rica e preta da grande S\u00e3o Paulo, mostrando que a elitiza\u00e7\u00e3o do\u00a0jazz<\/em>\u00a0\u00e9 revers\u00edvel, pois ele n\u00e3o foi feito para deleite de figur\u00f5es e\u00a0playboys<\/em>\u00a0tomando\u00a0whisky<\/em>\u00a0e divagando sobre banalidades, ele foi feito para a comunh\u00e3o de um povo, e consequentemente a uni\u00e3o de toda a sociedade.<\/p>\n<\/a><\/p>\n
<\/a>
<\/a>
\nSe autodenominando o \u201cDeus da Ra\u00e7a\u201d, propunha a liberta\u00e7\u00e3o do povo afro-americano a partir de um retorno a Saturno, alcan\u00e7ando assim a liberta\u00e7\u00e3o plena, ancestral, metaf\u00edsica, referencial, espiritual e cultural de todos os afro-americanos sequestrados e escravizados.<\/p>\n<\/a>