Cores e valores: Karol Conka, bolsa, capitalismo e empoderamento. Mas não só.

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Por Igor Gomes

Também escrevo lá no: medium.com/@igorgomes_chico

Racionais MCs. Contando as notas mas atento na janela: o inimigo é branco, dono do dinheiro e pode nos matar quando quiser.

Odeio quando o mercado decide quais serão nossas pautas. Agora o assunto são as bolsas caras que a rapper Karol Conka lançou. (Saiba mais clicando aqui).

Mas já que o assunto ta aí. Queria trazer o que vejo daqui.

Primeiro: Não dá pra basear a nossa militância em slogans.

De um lado quem faz a propaganda “Karol Conka vende mais, lacrou, bora conquistar espaço no capitalismo” e no outro extremo quem discursa “Karol Conka vendida, burguesa, chega de lacração e tombamento, morte aos pretos burgueses”.

Karol Conka e MC Carol que, juntas, lançaram a música 100% Feminista, que denúncia a violência contra a mulher: https://www.youtube.com/watch?v=W05v0B59K5s

No meio de tudo isso: mil fita acontecendo. O mundo é bem mais complexo do que oito ou oitenta.

Você já ouviu falar no caso do João Victor assassinado pelo Habib’s? E no caso da Maria Eduarda, assassinada dentro da escola pela Polícia Militar do Rio de Janeiro? Já ouviu falar em Luana Barbosa? Amarildo Dias? Douglas Rodrigues? Davi Fiuza? Flávio Ferreira Sant’Anna? Kaique Augusto? Chacinas na zona norte e sul de São Paulo em abril de 2017? Chacina da Candelária? Crimes de Maio de 2006?

 

1 — É necessário criticar a ausência de pretos nos comerciais e no tal do topo, acho legal ver que tem quem tá nesse corre aí pra ocupar os espaços. Não dá pra negar que ter uma Oprah Winfrey ou uma Beyoncé, lá nos Estados Unidos, contribui para a visibilidade de grupos como o Black Lives Matter que luta contra a violência da polícia racista. Aqui no Brasil grandes artistas negros, também tem trazido as discussões raciais (como faz a Karol Conka em algumas músicas que tratam sobre fortalecimento da mulher negra) e dado espaço para a voz de movimentos que lutam contra a morte de jovens negros e de quebrada (como fez o Emicida no clipe da música Chapa).

Você sabia que, no Brasil, a chance de um jovem negro morrer é quase três vezes maior do que a de um jovem branco?

 

2 — Se eu acho que existe avanço em ver a Karol Conka, assim como outros e outras, fazendo esses corres? Acho sim. Pra ela é um avanço, vai tirar alguma grana e tal. Vender bolsa em grife não é militância. Ela não tá militando. Apenas assinou o modelo de uma bolsa que será vendida por uma grife de playboy e vai tirar o dinheiro dela. Pra nós, um monte de negros e negras que continuamos pobres, não muda muito. Alguns negros irão comprar com facilidade, outros irão parcelar, mas a maioria não tá nem ligando. Cada um na sua função e na suas táticas de sobrevivência.

Você sabia que o assassinato de mulheres negras cresceu 54%, enquanto que o de brancas diminuiu 10%?

 

3 — Talvez ler os textão de um maluco aí chamado Karl Marx, ao invés de só comprar o slogan de coletivo branco universitário, pode nos ajudar: a Karol Conka não é dona dos meios de produção (isto é, ela não é dona de fábricas, bancos, mídia…) logo ela não é burguesa. A produção e a distribuição envolvem diversos fatores. Esses fatores definem o preço. O preço da tal bolsa não depende da boa vontade da Karol Conka. Ela só assinou os modelos. Os negros que estão atingindo fama e ganhando dinheiro no Brasil não são burgueses: a burguesia continua sendo branca e dona das fábricas, canais de TV, fazendas, revistas, gravadoras, universidades e de tudo o mais. O capitalismo foi criado por e para alguns brancos.

Você sabia que o Brasil é o 4º país no mundo que tem mais pessoas na prisão? Sendo que mais do que 60% destes são negros. Enquanto que nas universidades menos de 13% dos alunos são negros.

 

4 — Como eu disse: cada um na sua função. Acho legal questionarmos a ausência de negros nas mídias, marketings e capas de revista. Essa ausência de representatividade contribui para a destruição da auto estima de muita gente. Mas me interessa ainda mais questionar a nossa predominância nas filas de emprego e nas listas dos que recebem menos e trabalham mais. Todos os dados estão aí. Estamos morrendo e estamos nos matando. Espero que a Karol Conka dê cada vez mais visibilidade a luta antirracista no Brasil. E de nós espero que continuemos na luta, sem perder do horizonte a destruição desse sistema econômico que chamamos de capitalismo e a criação de um sistema mais interessante do que foi o “socialismo europeu”. Pra isso temos que estar atento: não existe boa intenção no misero espaço que este sistema capitalista tem para pessoas negras como a Karol Conka. Esse espaço não foi cedido, foi conquistado. Mas é limitado, é estratégia do próprio sistema. É assim que o capitalismo faz: se apropria dos nossos discursos, dos nossos slogans, da nossa estética e finge estar do nosso lado, para então cooptar a nossa luta, determinar nossas pautas, deixar tudo controlado e por fim nos calar. Se for pra estar no topo é para que a grana seja nossa escrava e não o contrário. Vá aonde for, lembra de onde veio.

fique atento, irmão.

Você sabia que a maioria dos desempregados no Brasil são negros?

 

 

As grandes marcas seguem famosas e lucrando. Fazendo girar a máquina do capitalismo racista. Todos nós já ouvimos falar na Nike, Adidas, Skol, Avon, Supreme, Louis Vitton, Coca Cola e etc.

Mas vem cá:

Já ouviu falar nas Mães de Maio? Na Pastoral Carcerária? Na agência de notícias Alma Preta? Na Agenda Preta, que divulga eventos negros e de quebrada? Na Ocupação Preta que luta por cotas na USP? Na cena dos saraus e slams de São Paulo, como o recente mas não menos loko, Slam da Norte? No coletivo Kilombagem? No projeto Nós Mulheres da Periferia? Na Ponte Jornalismo? No Mapa de Cursinhos Populares e Comunitários? Conhece os moradores da sua quebrada — e das quebradas por aí — que tão ganhando a vida fazendo seus doces, marmitas, artesanatos, artes, músicas, livros, roupas? Fortalece o corre deles?

Fique atento. Cada um ocupa o espaço que quer mas não podemos nos esquecer dos “pretinho vendo tudo do lado de fora.”

Segue sendo noiz por noiz. E noiz contra a violência do Estado, o machismo, o capitalismo, o racismo e as opressões todas que, geram o lucro de alguns, destruindo a vida de outros.

Débora Silva Maria. Mães de Maio. Pra lembrar a gente de não se esquecer do que realmente importa. #BlacksBraziliansMatter #BlackLivesMatter

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